Vírus modificado geneticamente ataca de forma seletiva as células tumorais
Pesquisadores da Universidade de Salamanca
eliminam tumores em ratos ao induzir a morte celular através da inserção
do vírus da doença de Newcastle, no qual se introduz um gene que ativa a
apoptose
José Pichel Andrés/DICYT Pesquisadores da Universidade de Salamanca conseguiram utilizar o vírus da doença de Newcastle (Newcastle disease virus ou NDV, em inglês), que afeta a aves, como agente terapêutico contra células tumorais em experimentos in vitro
e em modelos animais. No caso dos humanos, o vírus somente infecta
células tumorais, por isso é tão interessante para a pesquisa. Os
cientistas conseguiram modificar geneticamente o NDV para que, uma vez
no interior destas células, ative a proteína FAS, que induz à morte
celular programada ou apoptose. Desta maneira, em experimentos
realizados com ratos eliminou-se o câncer sem danificar tecidos
saudáveis.
“Aproveitamos que o NDV afeta somente às
células tumorais, e não às sadias”, explica a DiCYT Enrique Villar
Ledesma, pesquisador do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular.
Com esta característica, há muitos anos os especialistas tentaram
utilizar este vírus como oncolítico, isso é, como destruidor das células
tumorais, mas os resultados foram pobres. Modificar o vírus para
torná-lo mais agressivo é uma tarefa muito complexa, porque na realidade
não se conhecem os mecanismos pelos quais somente ataca as células
tumorais humanas, quando no caso das aves ataca as células sadias. Por
este motivo, a idéia foi abandonada.
No entanto, a Universidade de Salamanca
retomou esta via de pesquisa com uma nova idéia: introduzir o gene da
proteína FAS, que induz a morte celular, para ver como se comportaria
nos tumores. Os resultados in vitro foram promissores, porque foi
possível ativar a apoptose, o mecanismo utilizado nas células para
autodestruir-se quando detectam alguma anomalia e que nas células
tumorais está suprimido. Agora os resultados em ratos também são
promissores.
“Injetando células tumorais, provocamos
nos ratos carcinomas de cólon e melanoma, de modo que foram
desenvolvidos tumores, e ao introduzir o vírus recombinante com a
proteína que induz à morte celular, desaparecem”, indica o pesquisado.
De outro modo, em um grupo de controle de ratos que tinham desenvolvido o
câncer e nos que foi injetado o NDV sem modificar, os tumores não
remetiam.
Ademais, a pesquisa produziu outros
resultados muito interessantes. “Nos animais sobreviventes foram
injetadas novas células tumorais, mas estes não voltaram a desenvolver o
tumor. Isso representa que provocamos uma resposta imunológica”,
destaca Enrique Villar.
Muita pesquisa por diante
Em todos os casos, o cientista adverte
que estes estudos são preliminares e precisam aperfeiçoar-se. “Já
sabemos que este vírus recombinante estimula a apoptose em períodos
curtos nos cultivos celulares e suprime tumores nos estudos in vivo,
mas desconhecemos o mecanismo que provoca isso”, reconhece. “Para
chegar aos testes clínicos ainda falta muito. Temos que saber quais são
os mecanismos da oncólise nas células e aperfeiçoar o modelo animal
antes de chegar aos estudos pré-clínicos”, assegura.
A abordagem do câncer a partir da
virologia não é original, já que vários grupos de pesquisa em todo o
mundo apostaram por esta via. No entanto, um aspecto destacável desta
linha de pesquisa é a biossegurança do trabalho com o NDV, já que se
trata de um vírus RNA negativo que em nenhuma etapa de seu ciclo
biológico tem DNA. Isso quer dizer que não pode ser inserido no genoma
humano, um perigo presente quando se trabalha com outros tipos de vírus,
segundo os especialistas.
Atualmente, esta equipe do Departamento
de Bioquímica e Biologia Molecular está em contato com o Centro de
Pesquisa do Câncer (CIC) de Salamanca para avançar nesta aplicação
antitumoral, bem como com o Hospital Monte Sinaí de Nova Iorque, no qual
trabalha Adolfo García Sastre, especialista no vírus da gripe que fez
seu doutorado em Salamanca orientado por Enrique Villar. De fato, em uma
pesquisa anterior, junto com o grupo de pesquisa nova-iorquino,
“conseguimos introduzir um gene do vírus da gripe no vírus da doença de
Newcastle, de modo que imunizamos ratos contra a gripe”. Este avanço
serviu para demonstrar que é possível inserir genes estranhos no NDV e
que logo o vírus expressava as correspondentes proteínas. O seguinte
passo foi pensar no gene da morte celular.
Genoma do vírus
A manipulação do genoma do vírus no
laboratório é muito semelhante em alguns casos, e baseia-se nos estudos
que durante décadas foram realizados pelos especialistas em virologia da
Universidade de Salamanca, que conseguiram contribuir
significativamente ao conhecimento de como os vírus entram nas células e
interagem com elas. “Quando um vírus chega a um organismo procura
entrar em uma célula o quanto antes para que o sistema imunológico não
lute contra ele”, indica. Por essa razão, os cientistas tentam
aproveitar terapeuticamente este fato, para o que normalmente é
necessário manipular geneticamente o vírus, o que é mais complicado
quando se trata de um vírus RNA, que usa como material genético ácido
ribonucléico, que é um vírus DNA (ácido desoxirribonucléico).
“Introduzir a proteína da morte celular
no vírus NDV é uma via originalmente nossa”, indica Enrique Villar, que
tenta assegurar o financiamento para seguir adiante. “Este projeto é tão
promissor que se não pudermos desenvolvê-lo aqui, isso será feito nos
Estados Unidos. Diante da situação de recorte de orçamentos da ciência
espanhola, pode ser que depois do trabalho realizado durante anos as
possíveis aplicações práticas ou patentes sejam desenvolvidas fora,
afirma.
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